Ensaio sobre Silogismo e Demonstração em Aristóteles (Analíticos).
Este trabalho, como um ensaio, pretende apenas elucidar alguns conceitos principais de Silogismo e de Demonstração, baseado na obra Analíticos, de Aristóteles. Feito isso, será delineada a relação entre ambos.
A) Silogismo.
1 – Definições:
Silogismo: Discurso no qual, sendo assumidas certas coisas, alguma outra coisa (diferente do que se assumiu) se segue por necessidade. (P.A. I, 24b19)
Silogismo perfeito: Silogismo no qual não é necessário nada além do que se foi assumido para tornar a relação de necessidade evidente. (Ex.: Os modos da primeira figura).
Silogismo não perfeito: Todo tipo de silogismo que não se enquadra na definição de silogismo perfeito. (Ex.: Os modos da segunda e terceira figura).
Proposição: Sentença afirmando ou negando algo de algo.
Proposição Universal: Proposição em que uma coisa, A, é dita de toda ou de nenhuma coisa, B.
Proposição Particular: Proposição em que uma coisa, A, é dita de alguma coisa, de não alguma, ou de não toda coisa, B.
Proposição Indefinida: Proposição sem designação simbólica de ser Universal ou Particular. (Ex.: A é B, A não é B)
(Para os presentes objetivos, é desnecessário diferenciar proposições dialéticas, demonstrativas e dedutivas).
Termo: Palavras que cumprem funções atributivas ou substantivas dentro de uma proposição.
As definições de termo médio, termo maior e termo menor, serão analisadas à frente.
2 – Estrutura das figuras silogísticas:
As figuras variam de acordo com a posição do termo médio nas premissas:
Onde:
B = Termo médio (ausente na conclusão)
C = Termo menor (sujeito na conclusão)
A = Termo maior (predicado na conclusão)
Repara-se aqui que:
(I) Na Primeira figura o termo médio hora é sujeito e hora é predicado nas premissas;
(II) Na Segunda figura o termo médio é sempre predicado;
(III) Na Terceira figura o termo médio é sempre sujeito; e
(IV) Em todas as figuras o termo médio não aparece na conclusão.
Chamamos, ainda, premissa maior àquela que contém o termo maior, e, premissa menor à que contém o termo menor.
3 – Estrutura mnemônica dos modos.
Existem técnicas mnemônicas que foram desenvolvidas na Idade Média que servem tanto para facilitar a memorização dos modos silogísticos, quanto para indicar as operações a serem feitas na redução das figuras dois e três a figura um. Cada letra representa uma operação:
S: Conversão simples.
P: Conversão por acidente.
M: Permuta das premissas.
C: Redução ao absurdo (per impossible).
4 – Regras de conversão.
Antes de falarmos das regras de conversão, é de suma importância esclarecer alguns conceitos subjacentes que podem ser encontrados no seguinte esquema, o qual se convencionou chamar de Quadrado de Oposição:
Onde:
a = é predicado de todo.
e = é predicado de nenhum.
i = é predicado de algum.
o = não é predicado de algum.
Portanto:
Todo A é B = BaA
Nenhum A é B = BeC
Algum A é B = BiA
Algum A não é B = BoA
Tem-se que:
(i) As contrárias, BaA e BeA, não podem ser ambas verdadeiras simultaneamente;
(ii) As subcontrárias, Bia e BoA, não podem ser falsas ao mesmo tempo; e
(iii) As contraditórias, BaA e BoA, ou, BeA e BiA, não podem ter o mesmo valor de verdade.
Subalternidade:
Se BaA for verdadeira, então BiA também o será.
Se BeA for verdadeira, então BoA também o será.
Importe Existencial (ou Implicação Existencial):
Embora aqui não seja o espaço para tratar das deficiências da lógica Aristotélica, se comparado com a lógica moderna, é importante notar que, em Aristóteles, os termos que cumprem função substantiva ou adjetiva na proposição, não podem denotar conjuntos vazios, posto que, uma proposição, por definição, é uma sentença afirmando algo de algo. Portanto, para evitar erros lógicos, as classes tem que ser não vazias. A relação de subalternidade, p. ex., depende deste artificialismo para preservar verdade.
5 – Redução ao absurdo.
Do quadro de oposição segue-se uma regra que, embora seja cara ao sistema de Aristóteles, não foi explicitamente formulada por ele nos Analíticos. Chamamo-la de regra indireta, e ela nasce da relação de contraditoriedade:
Sempre que durante uma derivação de um dos modos do silogismo, a partir de uma hipótese negada assumida, obtivermos um par de contraditórias – BaA e BoA, ou, BeA e BiA – será assumida como necessária a instância da hipótese sem a negação.
6 – Regras de conversão direta.
Das regras de conversão, duas são ditas simples, visto que basta permutar o sujeito com o predicado, ei-las:
Regra 1: BeA ˫ AeB;
Pois, se algum B fosse A, A e B não seria dois conjuntos disjuntos como foi afirmado antes, contradição.
Regra 2: BiA ˫ AiB;
Pois, se nenhum B fosse A, nenhum A seria B (conjuntos disjuntos), mas foi assumido antes que algum A era B, contradição.
A terceira regra de conversão é chamada de regra por acidente e, nela, permutamos o sujeito e o predicado e mudamos o símbolo quantificacional:
Regra 3: BaA ˫ AiB
Pois, se for verdade que nenhum B é A, não pode ser verdade que todo A é B, como assumimos anteriormente.
Não há regra de conversão para a particular negativa (o). Toda regra de conversão tem que preservar verdade, e é por este motivo que uma proposição tipo o não é convertível, pois, diferentemente das outras, partindo de algo verdadeiro chegaríamos a algo falso, com mostra O Filósofo:
But the particular negative need not convert, for if some animal is not man, it does not follow that some man is no animal. (P.A. 25a-12,13).
Obs.: Fica claro, com as regras estabelecidas, que o escopo do presente trabalho não abrange termos negativos e nem regras como Obversão e Contraposição.
7 – Silogismos x Não silogismos.
Não existe nos Primeiros Analíticos o conceito de validade ou invalidade, no que tange aos silogismos. Para Aristóteles, ou uma estrutura argumentativa é um Silogismo ou não o é. Portanto, não faz sentido, nesse contexto, falar de silogismos inválidos. Aristóteles chama essas estruturas argumentativas (que não são silogismos) de Silogismos Impossíveis, e importa tratar destes antes daqueles.
7.1 – Não Silogismos.
Aristóteles, no decorrer do Primeiros Analíticos, nos mostra alguns tipos de combinações de proposições que não formam um silogismo,. O importante a ser notado aqui é a técnica que ele utiliza para eliminar vários possíveis modos de uma só vez. Tomemos como exemplo o par de premissas que não “silogislam” na primeira figura.
But IF the first term belongs to all the middle, but the middle to none of the last term, there will be no deduction in respect of the extremes. (P.A.I, 26a3)
De uma proposição universal afirmativa e uma universal negativa, nessa ordem, nada se segue necessariamente. Para provar isso, Aristóteles propõe os termos: animal, homem e cavalo; para uma conclusão universal afirmativa, e os termos: animal, homem e pedra; para uma conclusão universal negativa. Então, temos:
Vemos que, a partir de premissas do tipo AaB e BeC, se segue tanto uma conclusão do tipo CaA, quanto do tipo CeA e, portanto, nenhuma das duas é necessária. Ademais, levando-se em consideração o quadrado de oposição, não é possível que as duas contrárias sejam verdadeiras ao mesmo tempo. Ainda eliminam-se as subalternas destas conclusões, pois as subalternas de ambas as conclusões deveriam ser verdadeiras, mas, uma vez que uma proposição particular afirmativa é verdadeira, não poderia ser o caso de uma universal negativa também o ser, o que, como vimos, ocorre. O mesmo vale para a particular negativa.
Assim, Aristóteles eliminou com um único par de premissas, quatro possíveis modos de silogismo para a primeira figura. Esta mesma técnica é utilizada por ele par eliminar outros pretensos silogismos de outras figuras.
7.2 – Silogismos.
Como já foi dito na seção 2, na primeira figura o termo médio é sujeito da premissa maior e predicado da premissa menor. Esta não é a única diferença da primeira figura para as demais. Ela tem lugar de destaque na silogística aristotélica, ele chama esta figura de perfeita. Isto, segundo a definição dada na seção 1, significa que os modos dessa figura não precisam de nada além do que se assume para tornar a relação de necessidade evidente. Outro possível porquê, este por minha conta, é que além da necessidade ser evidente, como dito, não se acha em nenhum dos quatro modos desta figura, a problemática premissa do tipo BoA (algum A não é B), que, como vimos também, é o único tipo de sentença que não é convertível. Reparar-se-á ainda, que, nos dois modos de silogismo que aparecem uma premissa deste tipo, sua prova é de forma indireta, ou seja, por redução ao absurdo.
Os modos da primeira figura são quatro:
Barbara e Celarent são ditos universais, pois suas conclusões são do mesmo tipo (universais). Darii e Ferison são ditos particulares pelo mesmo motivo.
As vogais no nome de cada modo, aqui e nas outras figuras, indicam a quantidade de cada proposição, ou seja, se são universais ou particulares, e a qualidade, afirmativas ou negativas. Isto facilita na gora de estruturarmos um modo partindo apenas de seu nome – se soubermos a qual figura este modo pertence, uma vez que disso depende a posição do termo médio, como dissemos. Portanto, se sabemos que o modo Barbara pertence a primeira figura, sabemos que as duas premissas são universais afirmativas (a), que a conclusão é universal afirmativa (a), e que o termo médio ocorre tanto como sujeito de uma premissa, como predicado de outra.
Assim, podemos estruturar qualquer modo partindo apenas de seu nome, cujos quais, como dissemos, não foram estabelecidos por Aristóteles, e sim por (acredita-se) Pedro Abelardo, na idade média.
Na segunda figura existem quatro modos:
Na terceira figura temos seis modos:
B) Demonstração.
Dado que um conhecimento cientifico só pode proceder de uma demonstração, devemos então definir o que é e, por consequência, o que não vem a ser, uma demonstração. Uma demonstração é um tipo de dedução (silogismo) que, porém, obedece algumas restrições específicas. A primeira já parece ser introduzida logo na frase inaugural dos Analíticos Posteriores: “Todo ensinamento e aprendizado intelectual parte de conhecimento preexistente”. Fica latente aqui, que o conhecimento cientifico para Aristóteles é cumulativo. Para conhecer algo, temos que ter um conhecimento anterior a este algo. Mas, e este “conhecimento anterior” não teria também um conhecimento anterior? Bem, uma vez que o retrocesso ao infinito é impossível e a cadeia circular é indesejável, Aristóteles, no parágrafo 71a11-16, nos dá a indicação da solução deste problema, qual seja, a introdução de princípios, os quais se dividem em dois grupos: axiomas e teses (definições e hipóteses). Quando, na passagem anteriormente citada, ele diz que “para certos itens é necessário assumir necessariamente que eles são o caso”, mais que provavelmente ele está falando sobre os princípios comuns a todas as ciências (os axiomas) – comuns, alias, apenas enquanto não estão sendo aplicados a uma ciência específica. Quando diz “é preciso compreender o que é aquilo que é mencionado”, claramente está a falar sobre as definições, que também atuam como princípios, uma vez que estão sob o conjunto das teses. “Em outros casos, é preciso assumir ambas as coisas”, aqui ele fala sobre os termos primitivos de cada ciência, as hipóteses.
Conhecemos cientificamente algo, se conhecemos a causa desse algo. E se o conhecimento for realmente científico, não há como ser doutro modo. Bem, de certo modo, a necessidade de uma tal conclusão, a partir de umas tais premissas já tinha se deixado revelar anteriormente. Toda via, essa cláusula de necessidade é feita clara no trecho 71b19-24, onde se diz que os itens de uma demonstração devem ser causas da conclusão. Ora, mas para uma premissa ser necessária, é preciso que a predicação também o seja. Aristóteles nos diz que existem dois tipos de predicações, aquelas que algo é atribuído a algo acidentalmente (per accidens), e quando algo é atribuído a algo por si mesmo (per se). Neste sentido, apenas uma premissa com predicação de itens per se é necessária. A um homem pode ser atribuído ser branco apenas por acidente e não por necessidade, já a humanidade é atribuída ao homem pelo fato dele ser o que é. Os tipos de itens per se são quatro:
(I) Definições (essência) ou o que é constituinte desta definição;
(II) Algo (A) que se segue por necessidade da definição (per se I) de algo (B) e que este algo (B) entra na definição de (A).
(III) Entidades básicas de uma ciência assumindo o caso que elas são; e
(IV) Causa e efeito (necessidade).
Cada ciência tem seus princípios próprios – exceto as ciências subalternas, que podem ter alguns itens per se que se obtém de sua ciência superior – e, uma vez que as relações per se se traduzem nos princípios, cada ciência tem seus per se.
Os princípios próprios são definições e hipóteses, o per se 1 e o per se 2 estabelecem definições, e per se 3 trata das hipóteses de cada ciência. O problema que haveria caso houvesse uma sobreposição de itens per se entre as diversas ciências, seria o da perda da necessidade na predicação, e, como uma demonstração tem que partir de premissas (e, portanto, predicações) necessárias, não haveria demonstração, neste caso.
Sentenças universais são aquelas que têm tanto a propriedade de ser per se, quanto a propriedade de ser a respeito de todo. Aristóteles diz que as premissas de uma demonstração tem que ser universais. Talvez isso aconteça porque as premissas têm que ser necessárias e toda premissa universal é necessária, uma vez que possui um item per se.
Em resumo:
Assim se conhecer cientificamente é como propusemos, é necessário que o conhecimento demonstrativo provenha de itens verdadeiros, primeiros, imediatos, mais cognoscíveis que conclusão, anteriores a ela e que sejam causas dela. Pois é deste modo que os princípios serão de fato apropriados ao que se prova. É possível haver silogismo mesmo sem tais itens, mas não é possível haver demonstração. Pois tal silogismo não poderia proporcionar conhecimento científico. (Segundos Analíticos 71b19-24; grifo meu).
C) Relação entre Silogismo e Demonstração.
Bem, a relação entre Silogismo e Demonstração já ficou estabelecida, ao menos implicitamente, nas páginas precedentes. Entretanto, se quisermos fazer esta conexão de uma forma expressa, podemos identificar os silogismos, em toda sua estrutura, como uma teoria subjacente a toda e qualquer ciência (na visão aristotélica, claro). Toda demonstração é um silogismo, porém, cientifico. Toda preservação de verdade numa demonstração depende daquelas regras que introduzimos para os silogismos na parte A deste trabalho. De nada adiantaria ter premissas necessárias, se não houvesse regras que preservassem o valor de verdade – o que atualmente se chama de regras de inferência-, uma vez que estas regras preservam também a necessidade de uma premissa. Podemos concluir, então, que a teoria silogística é o pano de fundo (background) de toda teoria de conhecimento cientifico.
Referências:
Aristotle, Prior Analytics. Translated by A.J. Jenkison.
Aristotle, Posterior Analytics. Translated by Jonathan Barnes.
Para fazer o download deste material em pdf, clique aqui.
Lucas Vargas.